quinta-feira, 26 de março de 2015

Como Deus toca o pensamento



Esse é um artigo sobre o ‘Deus intuitivo’, que deve ser diferenciado do Deus bíblico, no sentido em que o primeiro constitui de certa forma uma ‘média’ de ‘o que as pessoas pensam sobre Deus’, em especial os Cristãos; o segundo constitui, segundo a maior parte das tradições evangélicas, a real natureza de Deus, essencialmente independente das pessoas. Enquanto o ‘Deus intuitivo’ direciona o comportamento das pessoas dentro e fora dos templos, o Deus bíblico atua sobre o funcionamento geral do Universo, não excluindo as pessoas. Evidentemente, uma entidade pode ser diferente da outra o suficiente para que briguem entre si. Assim, o que chamamos de religião é somente uma parte do que se refere ao comportamento humano relacionado ao ‘Deus intuitivo’.

Em todas as culturas, as pessoas se envolvem em comportamentos religiosos com a certeza de um ou mais seres etéreos sabe o que fazem e se preocupa com eles. E muitas pessoas têm queimado calorias tentando desvendar a mente de Deus (tanto um quanto outro) e as implicações que Ele tem, literalmente, sobre tudo. No Ocidente e Oriente Médio, principalmente as tradições abraâmicas são relevantes.

O antropólogo Pascal Boyer, da Universidade de Washington em Saint Louis, observou que as pessoas se fixam principalmente no que Deus sabe e com o que Ele se preocupa, pelo menos aqueles que seguem o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Racionalizam seu comportamento em função do que acreditam que Deus quer e O invocam para influenciar os outros, como em: ‘Deus vê através de seus truques baratos’. De Moisés no Sinai ao êxtase dos modernos pentecostais, muitos afirmam ter ido diretamente até o próprio Senhor para ter uma conversa, relatando suas descobertas em livros muito lidos ou de valor sagrado.

Pergunte a um estranho aleatório desse meio ‘O que Deus sabe ?’ e as chances maiores são de que ele diga: ‘Tudo'. Mas pergunte com o que Deus se preocupa, e ele vai dizer assassinato, roubo e fraude; generosidade, bondade e amor. No meio do conhecimento infinito de Deus, Suas preocupações são bastante estreitas: Ele sabe tudo, mas se preocupa apenas com as questões morais (quanto a outras questões, veja aqui). De onde é que essas crenças vêm, e que impactos elas têm em nossas vidas?

Mesmo as crianças parecem intuir que Deus sabe mais do que os seres humanos normais. Isto é confirmado por experimentos usando o que os psicólogos chamam de ‘Teste da falsa crença’, que avalia se os indivíduos podem detectar que os outros têm crenças errôneas. Em uma versão do teste, os pesquisadores colocam pedras em uma caixa de biscoitos, mostram às crianças o que está dentro, e então perguntam o que entidades diferentes pensariam que está na caixa. Se as crianças dizem: 'Mamãe pensa que há pedras na caixa’, então eles não passam no teste. Se eles dizem: 'Mamãe pensa que há biscoitos lá dentro, mas na verdade tem pedras', eles fazem uma idéia dos estados mentais incorretos de outros.

O que é curioso é que, com a idade, as crianças vêm a saber que a mãe, cães, e até mesmo árvores têm pensamentos incorretos, mas eles nunca vão estender essa vulnerabilidade a Deus. Na verdade, a qualidade da onisciência atribuída a Deus parece se estender a qualquer entidade desencarnada. Em um artigo de 2013 no Jornal Internacional de Psicologia da Religião, pesquisadores do Seminário de Louisville descobriram que as crianças pensam que amigos imaginários sabem mais do que os seres humanos de carne e sangue. Parece haver uma regra, então, no fundo da nossa programação mental, que nos diz que mentes sem corpos sabem mais do que aquelas com corpos.

No entanto, é complicado envolver nossas mentes limitadas em questões sobre mentes oniscientes e ilimitadas. O funcionamento da mente divina não faz parte do que conhecemos a respeito de nós mesmos. Por isso, teólogos e filósofos discutem há milênios sobre as implicações da onisciência. Pode ser intuitivo que Deus saiba mais do que os seres humanos, mas pensar que Deus sabe tudo não é tão simples. Em um artigo de 2013, na revista Cognição, relatei um estudo com os estudantes cristãos da Universidade de Connecticut. Aqueles que afirmam que Deus sabe tudo, geralmente indicam Seu conhecimento a respeito de informações morais (Deus sabe que Sebastian rouba mercearias? sim) mais do que o Seu conhecimento de informações não-morais (Deus sabe que Rita gosta pimentões? não sei). Esse viés é especialmente claro quando forçamos respostas rápidas e mais intuitivas.

Conforme relatado em um artigo de 2012 em Ciência Cognitiva, nosso laboratório na Universidade de Connecticut examinou o que se poderia chamar de ‘viés de moralização’ de Deus. Para examinar esse viés, o nosso laboratório perguntou aos alunos sobre o que Deus sabe e disse para responderem o mais rapidamente possível por computador. Se a sua resposta era ‘sim’, eles pressionavam uma tecla; se ‘não’, pressionavam outra. Sem o conhecimento dos participantes, o software que usamos também registrou a velocidade de resposta. Quanto mais rápida a resposta, mais intuitiva (e menos onerosa de raciocínio) devia ser a questão. Descobrimos que mesmo as pessoas que dizem ‘Deus sabe tudo' são mais rápidas em responder perguntas sobre o conhecimento de informações morais (Deus sabe que Leon fere os idosos? sim) do que informações não-morais (Deus sabe que David tem luvas pretas? não sei). Mesmo que as pessoas digam ‘sim’ a todas as perguntas, é mais fácil concluir o conhecimento de Deus no domínio moral.

Para avaliar quais aspectos de Deus produzem este efeito, fizemos as mesmas perguntas sobre um vigilante eletrônico (tipo o Big Brother, uma representação da vigilância constante do governo sobre o que cada pessoa faz em cada instante, no famoso livro ‘1984’ de George Orwell). Chamamos essa figura cibernética do governo de Newland, descrevendo como ele obtinha dados das pessoas através de transações bancárias, cartões de crédito, ligações telefônicas, câmeras de segurança, etc. Mesmo acreditando que Newland saiba tudo das pessoas, os voluntários foram mais rápidos em responder a perguntas sobre o conhecimento de Newland a respeito de má conduta fiscal do que sobre a boa conduta. E essas perguntas sobre questões morais foram respondidas mais rapidamente do que as questões não-morais. Os resultados foram praticamente idênticos aos das perguntas sobre Deus. No entanto, um outro grupo de estudantes respondeu perguntas sobre o Papai Noel; os tempos de resposta refletiram o mesmo viés moral, mas sem qualquer diferença entre o 'mau comportamento' e o 'bom comportamento'. Um terceiro grupo de estudantes respondeu a perguntas sobre alienígenas oniscientes que nunca interferem nos assuntos humanos; lá, também não houve distinção de velocidade em qualquer dos tipos de perguntas. Em outras palavras, Deus e Newland prestam atenção no que fazemos de moralmente errado, Papai Noel vê o certo e o errado, os alienígenas não são específicos ao analisar coisas morais ou não-morais.

O que esses estudos sugerem é que nós intuitivamente anexamos informações morais a mentes desencarnadas, em especial a Deus. E essa associação sutil pode alterar o nosso comportamento de maneira significativa. Em um estudo publicado no Journal of Experimental Child Psychology em 2011, o psicólogo Jared Piazza, da Universidade de Lancaster e seus colegas contaram a crianças uma história sobre uma princesa fantasmagórica em seu laboratório. Embora estas crianças nunca tenham ouvido um pio do fantasma, elas trapacearam menos em um jogo difícil do que um grupo controle de crianças que não ouviu a história. Isto sugere que Deus, fantasmas e outras mentes incorpóreas levam-nos a comportar-nos melhor - particularmente se assumirmos que Deus vigia o nosso comportamento, e especialmente se pensarmos que Ele interfere em nossos assuntos.

De uma perspectiva evolucionária, as intuições sobre Deus facilitam laços sociais necessários para a sobrevivência, tornando arriscada a má conduta. Ter um sheriff cósmico ajuda na sobrevivência e reprodução por coibir o banditismo dos outros. Se você está tentado a roubar alguém, mas sabe que Deus se importa e tem o poder de fazer algo sobre isso, você pode pensar duas vezes. Se Deus conhece seus pensamentos, talvez você nem sequer pense duas vezes. O Deus de Abraão parece ser muito punitivo, induzindo a paranóia de um Big Brother sempre observando (até seus pensamentos) e preocupado com os seus crimes. As falas de Jesus são bastante significativas:

Vocês ouviram o que foi dito: ‘Não adulterarás’. Mas eu lhes digo: qualquer que olhar para uma mulher para desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração. (Mateus 5.27-28)

Quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está no secreto. Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará. (Mateus 6.6)

Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava no íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’.Mas o publicano ficou à distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador’. Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. (Lucas 18.10-14)

Globalmente, a crença em deuses moralistas parece ser mais comum em sociedades complexas. O ecologista evolucionário Carlos Botero da Universidade do Estado da Carolina do Norte e seus colegas descobriram que os deuses 'moralistas' surgem em sociedades que enfrentam tensões. Esse grupo e outro da Universidade de Oxford descobriram que a complexidade social, em geral, implica na crença elevada em um deus moralista. Vale a pena ter um Big Brother onisciente e moralmente preocupado em lugares com maior anonimato e menos responsabilidade.

Claro, nem todos os deuses são tão moralistas como o Deus de Abraão. Nem todos os deuses se preocupam com a forma como tratamos uns aos outros. Nem todos os deuses sabem tudo, nem todos os deuses te botam pra baixo porque violou as normas, nem todos os deuses se importam se você acredita neles, e nem todos os deuses são pensados ​​como semelhantes aos humanos. Se nós orgulhosamente entoarmos nossa pequena trombeta de ciências sociais sem reconhecer que estamos jogando com as crenças de Abraão, não vamos saber se estamos em harmonia com a orquestra tocando ao redor do mundo. Com o que os outros deuses se preocupam? Infelizmente, até recentemente, ninguém nunca tinha recolhido dados sistemáticos para descobrir isso com certeza.

Então eu decidi abordar a mesma questão na República de Tyva, popularmente escrito 'Tuva', uma pequena região suficientemente distante no sul da Sibéria, um lar de pastores de renas e cantores polifônicos. Os Tuvas rurais têm rebanhos de vários gados incluindo ovelhas, cabras, iaques, renas e bois, enquanto os Tuvas urbanos se envolvem em trabalho assalariado, educação e negócios. Geograficamente, Tuva é notavelmente diversificado, com estepes acidentados, taiga majestoso (montanhas arborizadas), deserto, montanhas escarpadas e maciças colinas onduladas.

Bem diferente do Ocidente e Oriente Médio, a religião de Tuva é uma complexa mistura de budismo tibetano e xamanismo. O xamanismo urbano contemporâneo inclui clínicas que oferecem serviços oraculares e rituais de especialistas espirituais que agem como intermediários entre os clientes e os espíritos da natureza. Os Tuvas rurais, como muitos outros pastores em todo interior da Ásia, marcam os territórios de pastoreio, recursos naturais e outros locais sagrados com pilhas de pedras ou galhos de árvores utilizados como altares ou santuários, dedicados a espíritos locais. Esses espíritos podem tomar forma humana ou de animais e são literalmente chamado de ‘mestres’ do lugar. Ao contrário do modelo das religiões abraâmicas de um Deus-Big-Brother, os mestres espirituais seguem um modelo mais tímido, porém vigilante e proprietário.

O espíritos-mestres não são tão vingativos ou punitivos como o Deus de Abraão. No entanto, se você desrespeitá-los ou se esquecer de fazer uma oferta, a sua sorte pode mudar rapidamente. Eles também não são oniscientes. ‘Será que o espírito-mestre desta área sabe o que acontece em outra área?’, eu perguntava quando estava no campo. As respostas muitas vezes consistiam em: ‘Não, mas os espíritos sabem o que acontece nessa área.’

Os deuses locais em Tuva não estão preocupados com a moralidade no sentido abraâmico ou ocidental; em vez disso, eles se preocupam com rituais e protegem os recursos naturais, tais como fontes, lagos e animais caçados na sua área de governança. Em uma pesquisa semelhante à que eu fiz na Universidade de Connecticut, descobri que, em vez de dizer: 'Não, esses deuses não sabem ou se preocupam com coisas morais', houve um saldo muito positivo de Tuvas afirmando o conhecimento dos deuses e sua preocupação com o comportamento local. Em outras palavras, por meio de conversas, entrevistas e uma variedade de outras técnicas de interrogatório, os Tuvas disseram que seus deuses se preocupam com rituais e práticas associados à conservação de recursos. Mas quando perguntava, por exemplo: 'Será que esse espírito se preocupa com o roubo?’, eles eram mais inclinados a dar respostas afirmativas do que às perguntas não-morais - embora ainda não tão divergentes em suas respostas como os cristãos na Universidade de Connecticut. No sentido intuitivo, os deuses Tuvas eram muito semelhantes ao Deus de Abraão.

Independente de sua natureza e do que as nossas crenças explícitas nos dizem, parece que os deuses podem tocar em nossos sistemas morais. Mesmo que os Tuvas pensem que seus espíritos-mestres não se preocupam com a forma como eles tratam uns aos outro (ou simplesmente não falam sobre seus deuses desta forma), estes deuses ainda podem contribuir para a cooperação entre as pessoas. Se eles desencadeiam a cognição moral nos Tuvas, os deuses podem conter um comportamento imoral, especialmente quando associado com o território.

E território é algo diretamente ligado aos deuses Tuva. Em um artigo de 2013, em Current Anthropology, Tayana Arakchaa, eu e um antropólogo da Universidade de Alaska Fairbanks descobrimos que os Tuvas investem significativamente mais confiança naqueles que sempre pagam seus respeitos aos espíritos locais do que para com aqueles que não o fazem. Fronteiras rituais dedicadas aos deuses podem ser gatilhos eficazes de cognição moral e rituais coletivos e podem reforçar o respeito pelo território dos outros.

Território requer manutenção. Os meios de subsistência dos pastores dependem do acesso à terra de pastagem e acesso aos rebanhos. Se alguém se aventura em seu território com as suas ovelhas, que pode ser um problema se isso significa menos grama para o seu próprio gado. Além disso, as outras pessoas poderiam ser tentadas a aumentar o tamanho de seus próprios rebanhos roubando o seu gado. Assim, as relações relativamente pacíficas exigem vizinhos confiáveis ​​e seguros. Sabendo de tudo que aprendemos, o ritual religioso nas fronteiras parece sensato, especialmente se os seus sistemas psicológicos responsáveis ​​pelo raciocínio moral se desencadeiam quando você os indicadores fidelidade religiosa. Colocar um gatilho eficaz para a cognição moral em sua fronteira faz sentido, se ele reduz as chances de que alguém passando por lá tenha qualquer intenção maliciosa.

Mas os deuses intuitivos também estão ligados à sobrevivência de comunidades. Os espíritos locais em Tuva não gostam quando os habitantes fazem coisas como caçar muito, estragar nascentes e tomar muitos frutos. A justificativa ecológica parece bastante clara: os deuses podem frear a super-exploração do ambiente. Você também pode ver um dos melhores exemplos em Bali, onde os rituais de água dedicados aos deuses ajudam a irrigar arrozais no fundo de um conjunto de montanhas. Como foi documentado pelo antropólogo Stephen J. Lansing do Instituto Complexidade em Cingapura, a rota da água em Bali se dá em muitas piscinas escavadas, usadas para os ritos sagrados, e depois essas piscinas redistribuem a água. A água dali tem mais nutrientes, dissemina menos pragas e proporciona um rendimento agrícola mais fiável. Em um artigo de 2013 no Proceedings of the Royal Society, o antropólogo Stanford Rebecca Bliege Bird e seus colegas descobriram que os aborígenes Martu na Austrália Ocidental cuidadosamente queimam terrenos aos seus deuses e, ao fazê-lo, aumentam as populações dos lagartos locais que eles caçam. De acordo com os Martu, a prática segue as vontades dos seres ancestrais e a lei sagrada. Queimar terrenos aumenta a diversidade de plantas, que por sua vez aumentam a diversidade animal, da qual os lagartos se alimentam.

Entre os imperativos morais das religiões abraâmicas e a queima sagrada dos Martu, o conhecimento e as preocupações dos deuses apontam para comportamentos que podem produzir benefícios para os indivíduos. As mentes intuídas dos deuses são partes de complexos sistemas de coordenação humana e cooperação, o que Émile Durkheim chama de ‘utilidade secular’. Os deuses parecem ser o funcionamento de um organismo extra-corporal tentando influenciar as pessoas que negociam custos e benefícios de estar vivo em um lugar e hora específicos. Eles são forças importantes na mobilização e organização humanas.

Um exemplo significativo da ação intuitiva de Deus está também na Bíblia. Os livros relacionados a Moisés (ex. Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) apresentam um Deus preocupado sobretudo com as conquistas militares, questões de saúde pública, a subjugação de outros cultos cananeus (ex. Quemós, Astarte, etc), divisão de territórios rurais e o estabelecimento de cidades-fortaleza. Os livros relacionados à monarquia hebréia (ex. Samuel, Crônicas, Reis) apresentam um Deus atento às sucessões de poder. Os livros relacionados a Salomão, por sua vez (ex. Provérbios, Cânticos, Sabedoria), foram organizados em períodos de grande força política e apresentam um Deus preocupado com a instrução das pessoas a respeito das formas de conviver harmoniosamente. Os livros dos profetas falam sobre ataques militares a Israel. Os Evangelhos já encontram uma nova época de paz sob o governo Romano e tratam da natureza da fé. O livro de Atos encontra uma perseguição aos cristãos e aborda a fé como forma de salvar os que viriam a morrer.

Visualizar os deuses como estratégias organizacionais ajuda a explicar os aspectos relativamente benignos das tradições que eu foquei neste ensaio, mas também nos ajuda a explicar o absurdo racista, sexista, apelos homofóbicos e guerreiros que ficam envoltos em religiosa retórica. Encontrar um grupo vulnerável ou forasteiro, demonizá-los, declarando que os deuses os odeiam, citar fontes oficiais, apelar a conceitos vagos e misteriosos (imortalidade, liberdade, martírio, a Jihad) fortalece os laços entre os seguidores de uma fé ao apresentar inimigos comuns.

Como os ambientes sociais e naturais estão sempre mudando, as preocupações dos deuses devem mudar de acordo. E podemos ver isso acontecendo agora. Se você fizer uma pesquisa na internet sobre o florescente campo da 'eco-teologia', Por exemplo, você poderá ver a readaptação do Deus de Abraão em uma eco-divindade como um resultado previsível da preocupação cada vez mais premente com o colapso ambiental. Em janeiro deste ano, o Papa Francisco oficialmente mobilizou o Vaticano em ações contra as mudanças climáticas. Se pensarmos em religiões como estratégias organizacionais, a eficácia dos deuses como táticas para regular e justificar o comportamento é absolutamente impressionante. Talvez seja por isso que estamos tão obcecados com as mentes dos deuses. Eles funcionam. Os chamados conflitos religiosos são conflitos de estratégias concorrentes.

Os deuses também continuam a ser importantes por causa de suas funções. Podemos nos voltar para lugares com relativamente menos religiosidade para ver por que os deuses são tão importantes em outros lugares. Na revista Sacred and Secular (2004), os cientistas políticos Pippa Norris de Harvard e Ronald Inglehart, da Universidade de Michigan mostram que, em regiões prósperas onde as formas seculares de serviços sociais e de justiça se tornaram realmente eficazes, a religiosidade se encolheu. Esta relação inversa entre a justiça secular, igualdade econômica e adesão religiosa sugere que as funções sociais da religião podem ser desempenhadas por instituições seculares, tornando assim irrelevante a nossa obsessão com ‘o que Deus sabe e se preocupa’.

Considerando-se como os deuses são eficazes, independentemente de estarmos no Ocidente ou em Tuva, eles sempre estarão nos auxiliando a proteger nosso próximos. Curiosamente, ao terem sucesso nisso eles nos levarão a gradativamente nos afastarmos deles ou re-interpretarmos completamente as práticas religiosas. Moisés mandava afastar os leprosos do acampamento; Eliseu os associava com práticas reprováveis e Jesus os encontrava se banhando no Templo, recomendando o amor ao próximo.

-------------------------------

Esse texto foi fortemente baseado e alterado do artigo ‘Inside the Mind of God’, do antropólogo Benjamin Grant Purzycki, revista Aeon, 18 mar 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe um comentário!