sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Homem contra Deus


_ Senhor Eremita, haveria maior mérito em acreditar na trindade de Deus do que em conhecê-la? A vontade poderia amar mais pela ignorância que pelo conhecimento?

_ Em uma cidade havia muitos costumes contra Deus, contra a justiça e contra o regimento do príncipe. Aqueles costumes eram franquias e liberdades pelas quais o rei da cidade não podia lhes acusar. Um dia, aconteceu que um homem daquela cidade cometeu homicídio e o rei quis puni-lo, mas por algumas destas liberdades havia sido pago, e o absolvera e perdoara. Muito desagradou o rei o fato de ter deixado de fazer justiça por causa das cartas de franquia, e disse aos homens estas palavras: ‘Dois pecadores estavam diante de um altar. Um rogava a Deus que lhe perdoasse, porque O temia. O outro clamava por misericórdia porque O amava. Desejo que vós, que contra a justiça alegais vossos maus costumes, me respondais a qual daqueles homens Deus deve primeiro perdoar.’ Um Conselho foi feito para responder a pergunta do rei, e acordaram em responder que Deus devia perdoar o homem que O amava. Quando o rei ouviu isso, falou: ‘Estou satisfeito com a resposta. Saibais que, conforme vossas palavras, devo mais amar a Deus que vos temer, e amando a Deus me convém fazer justiça convosco ao invés de vos perdoar por medo.’

Assim, belo filho, aqueles que amam a trindade de Deus e não desejam entendê-la na verdade amam mais a si mesmos do que a Deus. Como pensam ter maior mérito em crer no que não entendem, temem mais perder a glória dos homens do que amam a Deus.

(Ramon Lull, Félix o El Libre de meravelles, 1288)

Deus não é alguém com quem se brigar... É meio idiota fazer isso, como um operário desafiar o presidente da empresa, mas acontece. Até mesmo com o operário, geralmente para sua infelicidade. Quando Moisés mediou a Aliança através da Lei, Deus já avisava: se vocês não Me ouvirem e não colocarem em prática todos esses mandamentos, se forem infiéis à Minha aliança, Eu lhes trarei pavor repentino, doenças e febre, fugirão sem perseguidores, semearão inutilmente, a terra não dará colheita nem as árvores darão fruto, os inimigos comerão as suas sementes. Tropeçarão uns nos outros. Vocês comerão, mas não ficarão satisfeitos. Vocês não terão fruto algum, ou será ruim, ou outros vos matarão. Basicamente isso. (Levítico 26). No entanto, Ele sempre teve de lidar com os homens não lhe conferindo a importância necessária.

Lúcifer desacreditou a Deus e foi jogado dos céus, com seus compatriotas. "Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo" (Isaías 14.13-14). Essa velha estória foi o que a serpente contou a Eva: "Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele [do fruto] comerem, seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal" (Gênesis 3.4-5). E os homens continuaram sua herança, contando e recontando a estória uns para os outros, e para si mesmos... Tiraram Deus do lugar devido, e brigam para sentar nesse trono.

Claro, acreditar no que Deus disse sobre ignorá-Lo já é uma demonstração de fé. E pode estar atrelada à fé de que “Deus não verá” ou “eu posso esconder isso”. Diversos escritores bíblicos falam sobre a prosperidade dos ímpios, inconformados sobre como eles prosperam enquanto o justo sofre. Mas quem atribui o conceito de prosperidade? Porque ela é importante? Porque está atrelada a felicidade, e todos desejam ser felizes. Mas olhemos bem o aviso de Deus: vocês não ficarão satisfeitos. Aviso do fabricante, sutil como se Ele soubesse dos nossos eletroquímicos circuitos cerebrais de prazer.

Enquanto Moisés conduzia o povo pelo DESERTO e não havia comida, o Senhor lhes fez brotar comida.. DO NADA. Certamente seria motivo de perpétuo agradecer e maravilhamento aos que tinham fome, mas não o seria para quem comer (e simplesmente comer) era adoração a si mesmo. Partiram eles do monte Hor pelo caminho do mar Vermelho, para contornarem a terra de Edom. Mas o povo ficou impaciente no caminho e falou contra Deus e contra Moisés, dizendo: 'Por que vocês nos tiraram do Egito para morrermos no deserto? Não há pão! Não há água! E nós detestamos esta comida miserável!' (Números 21.4-5) Era preciso que o Senhor [seu servo] proporcionasse algo saboroso, que agradasse o requintado paladar e não desapontasse o sagrado Eu.

Mas porque alguém disputaria com o Criador? Que sentido há em entrar numa briga que não se pode ganhar? Justamente essa 2ª questão supõe que NÃO SE PODE GANHAR, e ele tem atrelado o 1º Mandamento: “amarás a teu Deus, acima de tudo”. Um famoso descumprimento disso está em amar algo ou a si mesmo acima de Deus.

Já dizia o profeta Jeremias: “A quem posso eu falar ou advertir? Quem me escutará? ... A palavra do Senhor é para eles desprezível, não encontram nela motivo de prazer. ... Desde o menor até o maior, todos são gananciosos. Profetas e sacerdotes igualmente, todos praticam o engano. Eles tratam da ferida do meu povo como se não fosse grave. ‘Paz, paz’, dizem, quando não há paz alguma.” (Jeremias 6:10-14). O profeta prenunciava a invasão de Israel pelos caldeus, cujo império crescia no Oriente (e todos sabiam disso). Acabou preso por suas manifestações contra os sacerdotes. A história mostra que Jeremias estava certo. Mas então porque os sacerdotes se empenhavam tanto em anunciar a paz quando não era o Senhor quem lhes falava isso? Tratava-se de um clero protegido e beneficiado pela realeza. E mais, essa previsão era exaltava os protetores egípcios de que Israel gozava. Em outras palavras, os sacerdotes aprenderam a amar mais às recompensas do que à verdade que Deus oferecia. Simplesmente tentador… se Deus ficar desacreditado.

E Jeremias ainda anunciava os pecados do seu povo: “Há ímpios no meio do meu povo: homens que ficam à espreita como num esconderijo de caçadores de pássaros; preparam armadilhas para capturar gente. Suas casas estão cheias do fruto de suas artimanhas, como gaiolas cheias de pássaros. E assim eles se tornaram poderosos e ricos, estão belos e bem alimentados. Não há limites para as suas obras más! Não se empenham pela causa do órfão, nem defendem os direitos do pobre. Não devo Eu castigá-los?” (Jr 5.26). A casta poderosa de Israel e mantida pelo Egito enriquecia às custas da exploração do povo, da conversão de homens livres em escravos e venda desses ao Egito. Judeus enriquecendo suas casas com a venda de judeus ao cativeiro. O mandamento sobre “amar ao próximo como a ti mesmo” (ou “não matareis”, sua versão na Lei mosaica) estava muito longe de ser cumprido. Claro que vivemos em outra Era, em outros tempos, nos quais a regra capitalista de “ganhe mais do que você dá” jamais se aplicaria. E em especial não às pessoas que negligenciamos (ex. alguém que pede ajuda) ou prejudicamos deliberadamente (ex. um concorrente) sem nos importarmos com o que sobrevirá ao outro. Não se aplica às pessoas que condenamos para sermos admirados como “exemplos”, até mesmo dentro das igrejas. E definitivamente não se aplica aos amigos ou parentes que negligenciamos em prol de nossa santa deusa tranqüilidade.

A emenda do soneto é a seguinte: “Os profetas contam mentiras, os sacerdotes governam por sua própria autoridade, e o meu povo gosta dessas coisas.” (Jr 5.51). Em meio à tormenta, não nos esqueçamos do principal – o povo gosta. Um rei cheio de ouro, sacerdotes aliados do rei, todos aliados do poderoso Egito, a própria segurança e poder apesar do que eles produzem. Também importa-nos que os governantes sejam bonitos, prestigiados, com dinheiro para grandes shows e aparições na mídia. Elegemos comediantes, atores, jogadores, apresentadores e milionários... E também empresários, aristocratas, latifundiários. Porque todos os invejam. Mesmo as pessoas que sofrem por falta dos serviços básicos, de trabalho, de qualificação, de justiça, mesmo esses apoiam o sagrado sistema que lhes põe no topo essas pessoas sagradas. Aplaudem e saúdam quem lhes tira o que é justo, porque dão o que o povo gosta. Eis as bocas que só prometem recompensas, a riqueza e a fama, os nossos deuses acima do Deus dos órfãos e pobres. Quem puder ler, que entenda.

Anos depois de Jeremias, no grande reino dos caldeus, entre os deportados, o profeta Ezequiel voltava a advertir as castas dos israelitas: “Eu mesmo tomarei conta das minhas ovelhas... a rebelde e forte eu destruirei. ... Julgarei entre uma ovelha e outra, e entre carneiros e bodes. Não lhes basta comerem em boa pastagem? Deverão também pisotear o restante da pastagem? Não lhes basta beberem água límpida? Deverão também enlamear o restante com os pés? Deverá o meu rebanho alimentar-se daquilo que vocês pisotearam e beber daquilo que vocês enlamearam com os pés? ... elas não mais serão saqueadas. Julgarei entre uma ovelha e outra.” (Ez 34.15-22). Na metáfora das ovelhas, o Senhor ameaçava os poderosos da Sua nação, por destruírem e enlamearem o que é de todos, por excluírem e machucarem os mais fracos. E a semelhança cultural dos hebreus e caldeus não demorou a misturá-los (lembremos de onde vira Abraão), colocando alguns hebreus entre a corte de Nabucodonosor. Se a separação de castas e a exploração do pobre já existia em Israel, quanto mais numa terra estrangeira e entre um povo dominador. O amor ao próximo de repente esfriou-se… como não ocorreria jamais sob o sistema legalista atual, isento de poderosos que ferem o povo e desperdiçam recursos da humanidade para enriquecer, como poderia ser numa galáxia muito distante.

Para mostrar que o tempo não é suficiente para apagar uma mancha dessas na Humanidade (o que mostra que o povo gosta e recompensa isso), Jeremias escreveu por volta de 580 a.C. e se passaram 6 longos séculos até que o apóstolo Judas [Tadeu] fizesse sua preciosa observação sobre o povo de Líbia e da Pérsia, por onde foi andar. “Esses tais difamam tudo o que não entendem; e as coisas que entendem por instinto, como animais irracionais, nessas mesmas coisas se corrompem. Ai deles! Pois seguiram o caminho de Caim, buscando o lucro, caíram no erro do prêmio de Balaão e foram destruídos na rebelião de Corá [contra Moisés]. Esses homens são manchas nas festas de fraternidade que vocês fazem, comendo com vocês de maneira desonrosa. São pastores que só cuidam de si mesmos. São nuvens sem água, impelidas pelo vento; árvores de outono, sem frutos, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz. São ondas bravias do mar, espumando seus próprios atos vergonhosos; estrelas errantes, para as quais estão reservadas para sempre as mais densas trevas.” (Judas 1.10-13) Sim, fazer-se melhor que os os outros e oprimi-los recompensa. Mas não conte com Deus para isso.

João [o discípulo amado por Jesus], estendia essa observação ao futuro longínquo: “Adoraram o dragão, que tinha dado autoridade à besta, e também adoraram a besta, dizendo: ‘Quem é como a besta? Quem pode guerrear contra ela?’ À besta foi dada uma boca para falar palavras arrogantes e blasfemas, e lhe foi autoridade para agir por muito tempo. Ela abriu a boca para blasfemar contra Deus e amaldiçoar o Seu nome, Seu tabernáculo, e os que habitam no céu. Foi-lhe dado poder para guerrear contra os santos e vencê-los. Foi-lhe dada autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação.Todos os habitantes da terra adorarão a besta, a saber, todos aqueles que não tiveram seus nomes escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a criação do mundo.” (Apocalipse 13.4-8). Quem poderá fazer diferente, desafiar o poder das recompensas, do poder e da pressão pública?

Se passaram mais de dois mil anos e você ainda acha que isso se aplica à sociedade onde VOCÊ MESMO vive. Chapolin, e agora quem poderá nos defender?

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