domingo, 25 de maio de 2014

Habacuque - Uma resposta inesperada


Normalmente, se fala do Estado como organizador da vida dos homens. Por volta de 1650, Thomas Hobbes propagandeava que todos os homens lutam pelos próprios privilégios, e assim o Estado era a forma de impedir as lutas entre eles, impondo a todos um só direito. Pelo menos isso é o que crescemos acreditando, ou aprendendo nas escolas. Fora dali (e às vezes ali também), no entanto, qualquer morador do 3º Mundo poderia testemunhar que dá mais ao Estado do que obtém de volta. Isto é, o Estado torna-se também defensor dos próprios direitos, e armado de poderes para que eles sejam satisfeitos não para o povo, mas ÀS CUSTAS de todo o povo.

Se fica fácil ver como isso acontece com os dirigentes do país construindo mansões, passeando em gigantescas propriedades rurais ou desfrutando dos mais caros roteiros turísticos do mundo, quando são ELEITOS, escolhidos pelo povo, imagine-se quando eles eram reis e nobres destinados ao poder desde o nascimento. Nem mesmo o povo de Deus em sua cidade sagrada, milênios atrás, escapou dessa tentação. "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus", já dizia o barão inglês John Acton.

Por volta de 600 a.C., morreu o rei Josias em luta contra o faraó Necho II. Após isso, o Egito assumiu o controle das terras de Israel e depôs o herdeiro ao trono Joacás, coroando em seu lugar o irmão Joaquim, que se declarara servo do faraó. O que se seguiu foi a imposição de pesados tributos pagos para o Egito. Ao mesmo tempo, Joaquim instituiu uma nobreza privilegiada que gozava de riquezas e era mantida pelo poder egípcio. Nesses tempos o Senhor abriu os olhos ao profeta Habacuque, provavelmente residente em Israel.

Ele viu essa classe privilegiada (instituída historicamente por Davi e estruturada por Salomão) se nutrindo do que faltava na mesa dos trabalhadores, apoderando-se do que produzia o trabalho de outro e entregando ao Egito para seu próprio conforto. As leis e o julgamento, dadas por Deus aos rabis desde José até Salomão, também haviam sido pervertidas. Era costume que as pessoas disputando algum assunto discutissem na frente do rei, levando testemunhas, e este fizesse a sentença sobre a questão, quase sempre a posse de terras e animais. No entanto, agora Habacuque via a classe mais rica ganhar todas as questões e as sentenças em favor dos pobres serem retardadas ou omitidas, de forma que o direito se tornara instrumento de um governo usurpador. Qual habitante do 3º Mundo também nunca viu isso? Mas cabia aos profetas falar aos reis!

Por que [Senhor] me fazes ver a injustiça, e contemplar a maldade? A destruição e a violência estão diante de mim; há luta e conflito por todo lado. Por isso a lei se enfraquece e a justiça nunca prevalece. Os ímpios prejudicam os justos, e assim a justiça é pervertida. (Habacuque 1.3-4)

NÃO SOBRARÁ NADA

O profeta cobrava ao Senhor a defesa do povo. No entanto, a situação era mais crítica do que ele mesmo podia supor. Não haviam indivíduos apostatando da lei, mas estava disseminada a injustiça. Todos tomavam-na por base, todos se nutriam dela. E isso o Senhor não podia permitir. A resposta de Deus ao apelo do profeta foi apavorante:

Olhem as nações e contemplem, fiquem atônitos e pasmem; pois nos dias de vocês farei algo em que não creriam, se lhes fosse contado. Estou trazendo os caldeus, nação cruel e impetuosa, que marcha por toda a extensão da terra para apoderar-se de moradias que não lhe pertencem. É uma nação apavorante e temível, que cria a sua própria justiça e promove a sua própria honra. Seus cavalos são mais velozes que os leopardos, mais ferozes que os lobos no crepúsculo. Sua cavalaria vem de longe. Seus cavalos vêm a galope; vêm voando como ave de rapina que mergulha para devorar; todos vêm prontos para a violência. Suas hordas avançam como o vento do deserto e fazendo tantos prisioneiros como a areia da praia. Menosprezam os reis e zombam dos governantes. Riem de todas as cidades fortificadas, pois constroem rampas de terra e por elas as conquistam. Depois passam como o vento e prosseguem. Homens carregados de culpa, e que têm por deus a sua própria força. (Habacuque 1.5-11)

O profeta não podia crer nessa resposta. Israel seria destruída por uma potência tão temível que passaria até por sobre a poderosa Assíria. De fato, quando Nabucodonozor II chegou a Israel 8 anos depois, nem o Templo permaneceu em pé. O rei Joaquim e quase toda a população foram levados cativos para Babilônia, a cidade dos jardins. Principalmente, ele não podia crer que Deus usasse contra os ímpios (ou seja, aqueles israelitas que não baseavam sua vida em Deus) simplesmente um exército de OUTROS ÍMPIOS (ou seja, os babilônios ou caldeus).

Tornaste os homens como peixes do mar, como animais, que não são governados por ninguém. Esses ímpios puxam a todos com anzóis, apanham-nos em suas redes e nelas os arrastam; então alegram-se e exultam. (Habacuque 1.14-15)

Mas até os peixes do mar são governados! Jesus mostrou a alguns discípulos que pescavam no lago de Genesaré como isso era possível. Não seriam também os caldeus governados pelo Senhor? Não nasceria entre eles Daniel e Neemias? Não seria o próprio Nabucodonozor II destronado e re-entronado por Deus? Até uma nação que endeusa a própria força seria instrumento do Senhor.

E não apenas isso. Deus manda gravar em tábuas que “O ímpio está envaidecido; seus desejos não são bons; mas o justo viverá pela sua fidelidade.” (Habacuque 2.4). Aqui Deus fala dos caldeus… Viriam com força e dominando tudo, mas lhe seria cobrado um preço terrível por isso também. Os maus destruiriam os maus, e quem o Senhor preservaria disso tudo? O justo, apenas. Naum, outro profeta da mesma época, que viveu esses mesmos acontecimentos, relata uma frase forte em sua mensagem de destruição contra Nínive: “O Senhor é bom, um refúgio em tempos de angústia. Ele protege os que nele confiam” (Naum 1.7).

A REVOLTA DE UM PROFETA

Em seu desespero, o profeta anuncia 5 ameaças sobre os caldeus. Na primeira (2.5-8), compara a sede de poder dos caldeus a um bêbado que jamais se farta de vinho, que toma tudo para si sem descanso. “De fato, a riqueza é ilusória, e o ímpio é arrogante e não descansa; ele é voraz como a sepultura e como a morte. Nunca se satisfaz; apanha para si todas as nações e ajunta para si todos os povos.” (Habacuque 2:5) A sentença do Senhor é que um dia seus credores se levantarão, e como os homens que zombam do embriagado, por causa do sangue derramado e da violência, um dia os caldeus seriam humilhados e lhes cobrariam o que fizeram da terra dos judeus. É a espada circular, que mata pelas costas após ser usada para matar. Curiosamente, os caldeus ficaram famosos na história por seus festins de bebedeiras, e foi num deles que que Ciro, o persa, conquistou a cidade (539 a.C.).

A segunda (2.9-11) é uma maldição supostamente contra a família de Nabucodonozor II. O monarca é acusado de colocar sua casa acima de todas, para escapar da adversidade, através de crimes contra os povos. Mas, diz o profeta, “as pedras das muralhas e até as vigas de madeira clamam vingança”. As imponentes torres babilônicas e o título de “fortaleza, maior dos tiranos” de Nabucodonozor II podem certamente ter lhe rendido essa imagem de explorador. Após sua morte, os filhos e netos assassinaram uns aos outros (vários morreram ainda crianças) numa série de sucessões ao trono. Em menos de 30 anos, a cidade de Babilônia caiu sob o ataque dos persas.

A terceira maldição (2.12-14) é uma ode ao Senhor e simultaneamente uma praga contra Babilônia, capital dos caldeus. “Ai daquele que edifica uma cidade com sangue e a estabelece com crime! Acaso não vem do Senhor dos Exércitos, que o trabalho dos povos seja só para satisfazer o fogo, e que as nações se afadiguem em vão?” (Habacuque 2:12-13). Em outras palavras, as cidades devem enriquecer com seu próprio suór e a glória do Senhor, jamais com o sangue e escravos de nações conquistadas.

A quarta maldição (2.15-17) recai sobre o faraó Hophra, neto de Necho II. Quando Necho morreu, seus filhos e netos retraíram a influência militar do Egito, justamente quando os caldeus ampliavam seu território de forma destrutiva. Judá havia feito aliança com Israel e os reis do Líbano (Edom, Moab, Ammon e Tyro) para resistir à invasão. O sucessor de Nacho simplesmente retirou os exércitos do Líbano, enquanto Hophra assumiu o trono assegurando que os reinos juntos poderiam derrotar os caldeus. Essa rebelião foi o que levou ao ataque fulminante sobre Jerusalém, por isso a revolta do profeta.

Ai daquele que dá bebida ao seu próximo, misturando-a com o seu furor, até que ele fique bêbado, para lhe contemplar a nudez. Beba bastante vergonha, em vez de glória! Sim! Beba você também e se exponha! A taça da mão direita do Senhor lhe é dada. Muita vergonha cobrirá a sua glória. (Habacuque 2:15-16)

Após ser derrotado pelos caldeus, Hophra seguiu para o oeste do Egito, para repelir uma invasão grega. Ele foi novamente derrotado. Suas tropas entretanto contavam muitos mercenários da Líbia, que dividiram o exército ao meio e invadiram o Egito, no retorno, executando Hophra e coroando um novo faraó.

A última maldição (2.18-20) recai sobre os que colocavam sua fé nos ídolos, entre eles as famílias do governo mantidas pelos egípcios. “De que vale uma imagem feita por um escultor? Ou um ídolo de metal que ensina mentiras? Pois aquele que o faz confia em sua própria criação, fazendo ídolos incapazes de falar.” (Habacuque 2:18). O profeta Jeremias também pronunciaria o aviso da invasão dos caldeus, sendo mandado à prisão por isso, e mais tarde libertado… pelos caldeus! (Jeremias 20:1-6; Jeremias 39). Ao final o profeta Habacuque se curva à vontade de Deus, por mais terrível que ela parecesse.

ACEITO, PORÉM EM SÚPLICAS

Convencido do destino inevitável de Jerusalém, o profeta apela à misericórdia de Deus na execução dos seus planos. O terceiro capítulo é uma canção, não um texto, e provavelmente foi anexado depois ao livro.

Senhor, ouvi falar da tua fama; temo diante dos teus atos, Senhor. Realiza de novo, em nossa época, as mesmas obras, faze-as conhecidas em nosso tempo; em tua ira, lembra-te da misericórdia. (Habacuque 3:2)

O apelo faz referência direta ao Êxodo, com a citação dos pontos por onde Moisés passou: “Deus veio de Temã, o Santo veio do monte Parã. Sua glória cobriu os céus e seu louvor encheu a terra. Seu esplendor era como a luz do sol; raios lampejavam de sua mão, onde se escondia o seu poder. Pragas iam adiante dele; doenças terríveis seguiam os seus passos. Ele parou, e a terra tremeu; olhou, e fez estremecer as nações. Montes antigos se desmancharam; colinas antiqüíssimas se desfizeram. Os caminhos Dele são eternos.” (Habacuque 3:3-6). Também, durante a invasão da Assíria séculos antes, foram enviados sacerdotes hebreus à Samaria, por ordem do rei assírio, para aplacar o “deus daquela terra”, que mandava feras sobre os povos conduzidos para lá (2ª Reis 17). Ciente do poder salvador de Deus, o profeta instrui os justos a manterem sua fé, independente das adversidades:

Mesmo não florescendo a figueira, não havendo uvas nas videiras; mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação. (Habacuque 3:17-18).

DEIXA PRA LER

Revista Examiner.com - faraó Hophra
Nabucodonozor II - wikipedia
Reis de Bailônia - wikipedia

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