segunda-feira, 5 de março de 2012

Apócrifos II

"O mundo mudou... Posso senti-lo na água, posso senti-lo na terra, posso senti-lo no ar...
Muito do que havia está perdido, pois nenhum dos que se lembram estão vivos."
-- Galadriel --

Para quem se agradou da postagem anterior, vai essa continuação. Passamos no entanto a palavra a um bando de escritores apócrifos e muito Vivos! que encontramos pela estrada. Quem não estaria interessado no que eles têm a dizer?

A palavra Apócrifo , do grego apokrypha, significa escondido. Esse nome foi usado pelos escritores eclesiásticos para demarcar assuntos secretos, ou misteriosos; de origem ignorada, falsa ou espúria; ou ainda documentos não canônicos (fora de contexto).

LIVROS APÓCRIFOS DO ANTIGO TESTAMENTO 

São livros que não faziam parte do Cânon hebraico, porém eram mais ou menos aceitos pelos judeus de Alexandria que liam o grego, e pelos de outros lugares; e alguns são citados no Talmude. Esses livros, a exceção de 2 Esdras, Eclesiástico, Judite, Tobias, e 1 Macabeus, foram primeiramente escritos em grego, mas o seu conteúdo varia em diferentes coleções.

Eis os livros apócrifos pela sua ordem usual:

I (ou III) de Esdras:  narra o declínio e a queda do reino de Judá desde o reinado de Josias até à destruição de Jerusalém; o cativeiro de Babilônia, a volta dos exilado, e a parte que Esdras tomou na reorganização da política judaica. Em certos respeitos, amplia a narração bíblica, porém estas adições são de autoridade duvidosa. O historiador Flávio Josefo (para os hebreus José, filho de Matias) era um fariseu que viveu de 37 a 100 d.C. e descreveu em detalhes a destruição de Jerusalém no reinado de Vespasiano, do ponto de vista judaico. Os detalhes de III Esdras discordam de sua obra, além de não haver pistas sobre o autor ou a época em que foi escrito.

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II (ou IV) de Esdras: este livro foi anexado posteriormente à obra de Esdras, sem a menor possibilidade de ser uma obra original. O estilo difere inteiramente diferente de Esdras. O livro não é propriamente uma história, mas sim um tratado religioso, muito no estilo dos profetas hebreus. O assunto central são as sete revelações de Esdras em Babilônia, algumas das quais tomaram a forma de visões: a mulher que chorava, a águia e o leão, o homem que se ergueu do mar. O autor destes capítulos é desconhecido, mas evidentemente era judeu pelo afeto que mostra a seu povo. A visão da águia, que é expressamente baseada na profecia de Daniel (II Esdras 12.11) parece se referir ao Império Romano, e a data de 88 até 117 d.C. é geralmente aceita. Datas posteriores ao ano 200 contrariam as citações do v. 35 cap. 5 em grego por Clemente de Alexandria com o Prefácio: “As­sim diz o profeta Esdras.” Os primeiros dois e os últimos dois capítulos não se encontram nas versões orientais, nem na maior parte dos manuscritos latinos. Eles pertencem a uma data posterior à tradução dos Setenta¹ que já estava em circulação, porquanto os profetas menores já aparecem na ordem em que foram postos na versão grega de II Esdras. Os primeiros capítulos contêm abundantes reminiscências do Novo Testamento e justificam a rejeição de Israel e sua substituição pelos gentios, portanto foram escritos por um judeu cristão.

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Tobias: este livro contém a narração da vida de Tobias de Neftali, homem piedoso, que tinha um filho de igual nome. O Tobias pai havia perdido a vista e o filho, indo a Rages na região da Média para cobrar uma dívida, foi levado por um anjo a Ecbatana, onde fez um casamento romântico com uma viúva que, tendo-se casado sete ve­zes, ainda se conservava virgem. Os sete maridos haviam sido mortos por Asmodeu, o mau espírito nos dias de seu casamento. Tobias, porém, foi animado pelo anjo a tornar-se o oitavo marido e afastou o demônio queimando fígado de peixe. Voltando, curou a cegueira do pai esfregando-lhe nos olhos o fel (bile) do mesmo peixe. A data mais provável de sua publicação é 350 - 200 a.C.

O livro de Tobias é manifestamente um conto moral e não uma história real. Ele contém leves erros históricos (sinal de o autor não foi contemporâneo do que narra), tal como dizer que Senaqueribe(4) (rei assírio que governou de 705-681 a.C.) era filho de Salmanasar (Salmanasar V reinou na Assíria por 5 anos, sendo sucedido pelo irmão Sargão II, pai de Senaqueribe. Para os judeus, contudo, talvez isso não fosse conhecido) (Tb 1.18). Ele também apresenta histórias obviamente fictícias:

Tb 6.1-4 - Partiu, pois, Tobias, e o cão o seguiu, e parou na primeira pousada junto ao rio Tigre. E saiu a lavar os pés, e eis que saiu da água um peixe monstruoso para o devorar. Tobias, espavorido, clamou em alta voz, dizendo: Senhor, ele lançou-se a mim! E o anjo disse-lhe: Pega-o pelas guerras, e puxa-o para ti. Tendo assim feito, puxou-o para terra, e começou a pular a seus pés.

Depois, o anjo ensina que o coração de um peixe tem poder para expulsar toda espécie de demônios. Isso contradiz o que a Bíblia ensina sobre enfrentar o demônio, mais parecendo uma receita de feitiçaria. Um dos sinais apostólicos era a expulsão de demônios, mas tudo o que tiveram de usar para isso foi o nome de Jesus (At 16.18).

O livro de Tobias ainda carrega sérias discordâncias doutrinárias do restante da bíblia, como justificação pelas obras (Tb 4.7-11; 12.8-9) e o tal anjo que mente a Tobias, declarando-se de membro de uma família rica (Tb 5.16-19).

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Judite: é a narrativa sobre como uma viúva judia se recomendou às boas graças de Holofernes, comandante-chefe do exército assírio, que sitiava a cidade de Betúlia. Aproveitando-se de sua intimidade na tenda de Holofernes, tomou da espada e cortou-lhe a cabeça enquanto ele dormia. Há grande semelhança com a narrativa de Jael matando Sísera, capitão dos cananeus, durante a invasão israelita (Jz 4.17-24), porém a narrativa está cheia de incorreções, anacronismos e absurdos geográficos. Por exemplo, afirma que  o reinado assírio em Nínive caiu com a invasão de Nabucodonosor (Jt 1.5), quando na verdade foi seu pai Nabopolassar (reino de 626-605 a.C.; Nabucodonosor II tinha então 20 anos e foi conduzido ao poder pelo casamento com a princesa dos Medos, o que garantiu ao pai um exército para atacar Nínive).

Não parece um livro da história israelita, pois a mais antiga referência ele está em uma epístola de Clemente de Roma, no fim do primeiro século. Além disso, o livro de Judite data de 175 a 100 a.C., isto é, 400 ou 600 anos depois dos fatos que pretende narrar. Dizer que naquele tempo Nabucodonosor reinava em Nínive em vez de Babilônia não parece ser grande erro, se não fosse cometido por um contemporâneo do grande rei.

O livro também traz discordâncias doutrinárias com o restante da bíblia, demonstrando ser um reflexo de crenças locais e não algo inspirado pelo Senhor. Por exemplo, Judite "trazia um cilício sobre os rins e jejuava todos os dias, exceto nos sábados, nas luas novas e nas festas do povo israelita" (Jt 8.6), o que é apresentado como sinal de santidade. Essa prática de "conquistar" a santidade pelo sofrimento auto-imposto é bem contrária a tudo mais na bíblia. Cristo jejuou "apenas" 40 dias e 40 noites, e não se atribui santidade a Ele por isso! Nesse livro, há mesmo o recurso a Deus para obter vingança pessoal (Jt 9.10-13).

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Estér: há um acréscimo de capítulos que não se acham nem no hebreu, nem no caldaico. O livro canônico de Ester termina com o décimo capítulo. A produção apócrifa acrescenta dez versículos a este capitulo e mais seis capítulos, 11-16. Na tradução dos Setenta¹, esta matéria suplementar é distribuída em sete porções pelo texto e não interrompe a história. Amplifica partes da narrativa da Escritura, sem fornecer novo fato de valor, e em alguns lugares contradiz a história do texto hebreu.

O livro de Estér não tem autoria conhecida, estando entre candidatos Esdras, Mordecai e talvez um nobre judeu que teve autoridade nos tempos do rei Antíoco, chamado Filometer (181-145 a.C.). Possivelmente foi ele quem fez o acréscimo ao texto original.

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Sabedoria de Salomão: é um tratado de ética recomendando a sabedoria e a retidão, e condenando a iniqüidade e a idolatria. As passagens salientam o pecado e a loucura da adoração das imagens, lembrando as passagens sobre o mesmo assunto que se encontram nos Salmos e em Isaías (compare: Sb 13.11-19, com Sl 135.15-18 e Is 40.19-25; 44.9-20).

O autor declara ser Salomão mas, referindo-se a incidentes históricos para ilustrar a sua doutrina, limita-se aos fatos recordados no pentateuco de Moisés (os cinco livros de Gênesis a Deuteronômio). Na verdade, estima-se que esse autor tenha vivido entre 150 e 40 a.C.,  já na época do domínio grego, tendo escrito o livro no final da vida. O livro jamais foi citado formalmente em outras obras, nem mesmo no NT, sugerindo que não era literatura corrente da época. A linguagem e as correntes de pensamento sugerem que seria obra muito nova na época dos escritores do NT, com paralelos de estilo em várias passagens (Sb. 5.18-20 e Ef 6.14-17; Sb. 7.26, com Hb 1.2-6 e Sb.14.13-31 com Rm 1.19-32).

O livro ainda apresenta uma doutrina estranha sobre a origem e o destino da alma (Sb 8.19-20), salvação pela sabedoria (Sb 8.17) e o corpo como uma prisão da alma (Sb 9.15), o que remete a doutrinas gnósticas e maniqueístas².

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Eclesiástico: também denominado Sabedoria de Jesus, filho de Siraque. É obra comparativamente grande, contendo 51 capítulos. O seu autor, Jesus, filho de Siraque de Jerusalém (Eclus 1.27) era avô, ou, tomando a palavra em sentido mais lato, antecessor remoto do tradutor. Estima-se que o livro tenha surgido por volta de 200 a.C., em hebraico. A tradução para o latim foi feita no Egito em 38 d.C., quando Ptolomeu³ Evergeto era rei. Houve dois reis com este nome: Ptolonmeu III (247 - 222 a.C.) e Ptolomeu Fiscom (169 - 117 a.C.).

O tema da obra é a Sabedoria, sendo na verdade um tratado de Ética. Lembra os livros de Provérbios, Eclesiastes e porções do livro de Jó, das escrituras canônicas, e do livro apócrifo Sabedoria de Salomão. Nas citações deste livro, usa-se a abreviatura Eclus, para não confundir com Ec abreviatura de Eclesiastes. O livro traz entretanto conceitos como justificação pelas obras (Eclus 3.33), trato cruel aos escravos (Eclus 33.25-30; 42.5) e· incentiva o ódio dos judeus aos Samaritanos (Eclus 50.27-28). Ora, se caridade e boas obras limpam nossos pecados, então não precisamos do sacrifício de Jesus!

Hb 9.11-22. Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção. ... E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão.

1Pe 1:18-19. Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado.

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Baruc: trata-se de um livro formado pela junção das obras de vários escritores. Baruque ou Baruc era o amigo e discípulo do profeta Jeremias. Os primeiros cinco capítulos do livro pertencem à sua autoria, enquanto que o sexto é intitulado “Epístola de Jeremias”. Depois da introdução, descrevendo a origem da obra (Baruc 1.1-14), abre-se o livro com três divisões:

1) Confissão dos pecados de Israel e orações pedindo perdão a Deus (1.15 - 3.8). Esta parte foi escrita em hebraico, por volta de 300 a.C..

2) Exortação a Israel para voltar à fonte da Sabedoria (3.9 - 4.4).

3) Animação e promessa de livramento (4.5 - 5.9). Estas duas seções foram escritas em grego, pela sua semelhança com a linguagem dos Setenta¹. Há dúvidas quanto à semelhança entre o cap. 5 e o Salmo 9: esta semelhança dá a entender que o cap. 5 foi baseado no salmo, e portanto, escrito depois do ano 70 a.C., ou então, que ambos os escritos foram moldados pela versão dos Setenta¹. A epístola de Jeremias exorta os judeus no exílio a evitarem a idolatria de Babilônia, tendo sido escrita ao redor de 100 anos a.C..

Dessa forma, embora o autor se nomeie como sendo o Baruc citado por Jeremias (650-580 a.C) antes da invasão de Jerusalém pelos babilônicos, não há  a menor possibilidade de que isso seja verdade. O livro provavelmente é contemporâneo da desintegração de Jerusalém em um período religiosamente turbulento, nas lutas entre os reis Hasmoneus (descendentes de Matatias Macabeus), os reis Selêucidas da Grécia (descendentes de Seleuco, um dos generais de Alexandre) e os romanos.

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Adições a Daniel:

1. O cântico dos três mancebos (jovens): esta produção foi destinada a ser Intercalada no livro canônico de Daniel, entre caps. 3.23-24. É desconhecido o seu autor e ignorada a data de sua composição. Compare os versículo, 35-68 com o Salmo 148.

2. A história de Suzana (Dn 13): é também um acréscimo ao livro de Daniel, em que o seu autor mostra como o profeta, habilmente descobriu uma falsa acusação contra Suzana, mulher piedosa e casta. Ignora-se a data em que foi escrita e o nome de seu autor.

3. Bel e o dragão (Dn 14): outra história introduzida no livro canônico de Daniel. O profeta mostra como os sacerdotes de Bel e suas famílias comiam as oferendas ao ídolo; e quebra o dragão-ídolo. Por este motivo, o profeta é lançado pela segunda vez na caverna dos leões. Lá dentro ele vai tomar uma deliciosa sopa com pão trazida pelo profeta Habacuc com um anjo a lhe puxar os cabelos (é sério). Ignora-se a data em que foi escrita e o nome do autor.

4. Oração de Manassés, rei de Judá quando esteve cativo em Babilônia. O lamento de Manassés é descrito sucintamente em 2Cr 33.12-13O texto encontra-se em algumas traduções gregas e eslavas, mas não faz parte do cânon católico e por isso foi adicionado em apêndice na Vulgata latina. Autor desconhecido. Data provável 100 a. C..

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1º Livro dos Macabeus: é um tratado histórico de grande valor, que descreve a história de 3 irmãos da família levita dos "Macabeus". No chamado período ínter-testamentário (400 a.C. - 3 d.C.), eles defenderam a independência israelita em meio aos impérios grego e romano. O autor é desconhecido, mas evidentemente é um judeu da Palestina. Há duas opiniões quanto à data em que foi escrito: uma dá 120 a 106 a.C., outra, com melhores fundamentos, entre 105 e 64 a.C. Foi traduzido do hebraico para o grego.

2º Livro dos Macabeus: o autor mesmo declara que não é um livro inspirado, mas o resumo de cinco livro escritos por um certo Jasão de Cirene. "Eis o que Jasão de Cirene narra em cinco livros que vamos tentar resumir em um só." (2Mb 2.23). Não há outras referências a esse Jasão, exceto seu nome gravado no templo de Thothmes III, no Egito. O livro foi escrito depois de 125 a.C. e antes a tomada de Jerusalém, no ano 70 a.C., contando a história judaica desde o reinado de Seleuco IV até à morte de Nicanor (175-161 a.C.). Embora narre fatos verdadeiros, usa de bastante fantasia.

Não se trata da continuação de 1 Macabeus, mas um relato paralelo, cheio de lendas e prodígios de Judas Macabeu. Além disso, apresenta um sacrifício expiatório pelos pecados dos mortos (2Mb 12.43-46), o que é muito destoante do ensino de Jesus em Lc 16.19-31.

Ainda que os livros apócrifos estejam compreendidos na versão dos Setenta¹, não se fala deles NT. Alguns autores antigos os citaram isoladamente, como se fossem Escritura Sagrada, mas de alguma forma sempre distinguiam em valor os apócrifos dos livros canônicos. Jerônimo de Strídon, organizador da Bíblia Vulgata, distinguia claramente os dois tipos de escrito. Para defender-se de ter limitado a sua tradução latina aos livros do Cânon hebraico, ele disse: “Qualquer livro além destes deve ser contado entre os apócrifos". Sto. Agostinho (354-430 a.C.) não sabia hebraico, então contava os apócrifos junto com os canônicos como para os diferençar dos livros heréticos. Prevaleceram as idéias deste último escritor, e ficaram os livros apócrifos na edição oficial da Vulgata. Em 1546, o Concilio de Trento aceitou “todos os livros... com igual sentimento e reverência”, e anatematizou os que não os consideravam de igual modo. A Igreja Anglicana, por outro lado, seguiu precisamente as instruções de Jerônimo, não contando os apócrifos com os livros sagrados, apesar de aconselhar a sua leitura “para exemplo de vida e instrução de costumes”.

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Livros Pseudo-epígrafos. Nenhum artigo sobre os livros apócrifos pode omitir estes inteiramente, porque de ano para ano está sendo mais compreendida a sua importância. Chamam-se Pseudo-epígrafos, porque se apresentam como escritos pelos santos do Antigo Testamento. Eles são amplamente apocalípticos; e representam esperanças e expectativas que não produziram boa influência no primitivo Cristianismo. O escritor apocalíptico acredita revelar os segredos sobre a origem do mundo e o seu fim. Porém, como oficialmente a revelação já terminara, os verdadeiros autores muitas vezes atribuíam seus textos à autoria de outros, buscando garantir uma certa antigüidade às suas obras e, por extensão, sua aceitação junto ao público. É importante realçar que eles não acreditavam estar mentindo, pois se consideravam uma espécie de "comentadores" de preceitos já revelados ou novos porta vozes que reforçavam e relembravam, ao povo, antigos ensinamentos. Entre estes livros, podem mencionar-se:

Livro de Enoque, citado em Judas 14. Trata-se de um conjunto de obras escritas a partir dos últi­mos dois séculos antes da era cristã, no entanto atribuídos a Enoque, o bisavô de Noé (Gênesis 5:18-24). Normalmente o título "Livro de Enoque" se refere a I Enoque, que existe inteiro somente em uma tradução etíope. Há outros dois livros, II Enoque (que existe somente em eslovaco antigo), e III Enoque (que existe somente em hebraico). Em todos eles, a descrição do mundo metafísico lembra a Bíblia por pouco mais que os nomes dos personagens, parecendo uma "judaização" de adivinhações dos oráculos antigos. I Enoque é dividido em cinco partes distintas: Livro dos Vigilantes (I Enoque 1-36), Livro das Parábolas ou ainda Comparações de Enoque (I Enoque 37-71), Livro dos Luminares Celestes ou Livro Astronômico (I Enoque 72-82), também conhecido como livro dos Luminares ou Livro Astronômico, Livro dos Sonhos (I Enoque 83-90), e Epístola de Enoque (I Enoque 91-108).

A passagem de I Enoque 1:9 é citada em Jd 14-15. Devido a este fato, muitos dos primeiros pais da Igreja consideraram este livro como sendo canônico, entre eles Justino Mártir, Irineu, Orígenes, Clemente de Alexandria e Tertuliano. Contudo, a Igreja como um todo negou a canonicidade deste livro. E isto gerou inclusive problemas para a aceitação da carta de Judas, por citar um livro apócrifo. No fim, o entendimento foi de que a citação de I Enoque 1:9 em Judas foi canonizada pela ação do Espírito Santo ao permiti-la no Texto Sagrado. Este texto foi datado como sendo do período dos Macabeus (aproximadamente 160 a.C.).

II Enoque (veja aqui um link em inglês) - também conhecido como Os Segredos de Enoque é um texto de origem judia com data e autoria incertas. Ele sobrevive apenas em uma cópia em eslovaco antigo, texto este que certamente foi traduzido a partir de uma cópia em grego. O livro trata da jornada de Enoque através de dez céus até se encontrar com Deus, seguido por uma discussão sobre a criação do mundo, e as instruções de Deus para Enoque para que retornasse à Terra e disseminasse o que aprendera de Deus. Ao final Enoque é levado de volta ao céu e é transformado no anjo Metatron. Neste ponto o texto passa a tratar das histórias de Matusalém, Nir (irmão mais novo de Noé), e Melquisedeque.

III Enoque (veja aqui um link em inglês) - existe somente em hebraico, sendo datado dos sécs. 5-6 d.C.. O livro diz ter sido escrito pelo rabi Ismael Ben Elisha (90-135 d.C.), que se tornou sumo sacerdote após ter visões do céu. No entanto, toda a obra usa uma forma islâmica de escrita (ex. o Santo, bendito seja Ele), o que faz supor sua origem entre cristãos sob influência islâmica (Maomé nasceu em 570 d.C.). Além disso, o livro inicia com o relato da Ascensão de Ismael, o filho de Abraão do qual descenderiam os povos árabes (1-2), em seguida mostra Ismael encontrando-se com o Enoque (3-16). Descreve as moradas celestiais (17-40) e termina apresentando as maravilhas celestes (41-48).

Livro dos Jubileus (veja aqui um link em inglês), ou o Pequeno Gênesis - o livro afirma ser uma revelação do arcanjo Miguel para Moisés, quando este esteve no monte Horebe por 40 dias, mas o estilo sugere um autor fariseu por volta de 150 a.C.. O original (desaparecido) foi composto em hebraico, com versões em grego e conservado em etíope (5). Recebe este nome por dividir a história em períodos de jubileus (49 anos). Foi muito usado pelos Hasmoneus (descendentes de Matatias Macabeus), mas fortemente combatido como um livro herético no séc. 4 (após a unificação das doutrinas cristãs no Concílio de Nicéia), por isso não restaram versões em hebraico, grego ou latim. A única versão em grego conhecida foi encontrada em Qumram.

O livro trata de particularidades do Gênesis, relatando a criação do mundo e de Adão e Eva até logo após a queda (6). Ele coloca o tempo desde a criação até o momento em que Moisés recebe a Lei em 50 jubileus (2410 anos). Também narra a história dos personagens bíblicos encontrados em Gênesis com vários detalhes adicionais, principalmente os patriarcas, até o nascimento de Moisés. Acredita-se que as fontes desse livro tenham sido I Enoque 1–36 e I Enoque 83–90.

Testamentos dos Doze Patriarcas (veja aqui um link em inglês) - é um livro apocalíptico de ensino moral, com autor fariseu que escreveu em hebraico por volta de 135 - 63 a.C. (datações anteriores avaliaram 109-107 a.C.), usando como fonte o Livro dos Jubileus e os livros de Gênesis. Ele traz os últimos desejos dos 12 filhos de Jacó que deram nome às tribos de Israel: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Dã, Naftali, Gade, Aser, Issacar, Zebulom, José e Benjamim. Tudo indica que sofreu edição posterior, recebendo material de origem cristã. No século 13, a coleção de escritos foi introduzidos no Ocidente através pelo bispo Robert Grosseteste, cuja tradução em inglês se tornou muito popular. Ele acreditava que era uma autêntica obra dos 12 filhos de Jacó, e que os judeus haviam escondido os livros "por conta das profecias do Salvador neles contidas". No séc. 16, a alteração dos livros em época cristã ficou evidente e foram rejeitados. Hoje, questiona-se mesmo se foram obra judia ou de um cristão.

Rúben fala contra a luxúria e lamenta seus pecados com Bila, concubina do pai, que ele espiava no banho e depois rapta, enquanto ela estava bêbada; José é exaltado como modelo pela resistência contra a mulher de Potifar. Simeão fala contra a inveja (ele fora preso com algemas por José), lamentando ter querido matar José por ciúmes. Levi fala da corrupção de seus descendentes pelo desprezo arrogante das leis, depois mostra Levi sendo levado para o céu e tomando o sacerdócio eterno, com 7 anjos lhe dando insígnias. Ele cita I Enoque e a promessa de um pastor glorioso que restaurá a justiça em seu ofício. Judá exalta a  coragem em suas expedições militares e lutas com feras, repudiando a ambição pela qual ele subornou o pai de sua noiva e a fornicação com a nora Tamar, que queria ser prostituta. Em seguida, ele ensina um rei é menor do um sacerdote, exaltando Levi. Issacar elogia o ascetismo (negação de desejos físicos ou psicológicos), contando como Lia dava mandrágoras a Raquel e passava as noites com Jacó. Raquel é dita virtuosa pelo seu celibato. Depois, ele recomenda uma vida agrícola, piedosa e simples. Zebulom relata o que aprendeu da conspiração contra José, quando compactuou a omissão com os irmãos, porque se alguém declarasse o segredo, seria morto.  trata sobre a raiva, lamentando seu ciúme de José e como Belial o tentava para assassiná-lo e afastar o Senhor de seus pensamentos. Felizmente, o Senhor não entregou José em suas mãos. Ele explica que a raiva cobre os olhos e distorce a visão para não reconhecer as pessoas como realmente são. Por fim, instrui os filhos a se aproximarem do Senhor, pois um salvador dos gentios viria de Levi e livraria as almas de Belial. Aser inicia com uma cena no leito de morte, mostrando duas maneiras de viver e apelando para seguir verdade. José elogia a castidade, baseando-se na resistência à mulher de Potifar. A narrativa explora as tentativas da mulher de Potifar para seduzir José ameaçando-o, empregando tortura, conspiração para matar seu marido, poções do amor e ameaças de suicídio. 

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1. O nome "Setenta" aparece em duas situações bem distintas.

1º - Pouco antes de ser preso, Jesus deu ordens aos apóstolos que fossem a todas as nações. Lucas acrescenta que, além dos 12, Ele mesmo ordenou essa missão a setenta homens:

Lc 10.1. E depois disto designou o Senhor ainda outros setenta, e mandou-os adiante da sua face, de dois em dois, a todas as cidades e lugares aonde ele havia de ir.

De origem duvidosa, existe um Evangelho dos Setenta entre os livros apócrifos. Na verdade, trata-se de um livro perdido que é citado pelo pensador árabe Al-Biruni por volta de 1000 d.C..

2º - Foram 72 homens que produziram a primeira versão em língua única da bíblia, também conhecida como Septuaginta, pois muitos afirmam serem apenas 70 homens ou rabinos. Tratava-se de uma transcrição dos textos hebraicos (boa parte deles espalhados) para o grego que ficou pronta no 1º século a.C., na famosa cidade de Alexandria. Essa versão do VT foi usada no século 4 d.C. por Jerônimo de Strídon para produzir a Bíblia Vulgata, ainda utilizada pela igreja católica. Durante a Reforma, diversos textos da Vulgata foram considerados Apócrifos e extraídos da coleção original.

No texto, fala-se sobre esse segundo caso, um grupo de rabinos que produziu o VT em grego.

2. O Gnosticismo era comum no tempo em que os livros do NT foram escritos. Tratava-se de uma filosofia juntando elementos de diversas religiões e exaltando um conhecimento intuitivo ou oculto a respeito de Deus. De certa forma, o Gnosticismo concorreu fortemente com o Cristianismo e se infiltrou em muitas igrejas dos 1os séculos d.C., levando a desvios doutrinários que a igreja combateu na Idade Média. O Maniqueísmo na verdade se estruturou no séc. 3 d.C., com o profeta persa Mani (ou Manés). Ele era adepto do gnosticismo e as suas idéias uniam elementos do Zoroastrismo, Hinduísmo, Budismo, Judaísmo e Cristianismo. É uma filosofia religiosa simplista, que divide o mundo radicalmente entre forças iguais e opostas: Bem e Mal. A matéria é má e o espírito é bom. Conforme esse profeta, a fusão da luz e das trevas teria originado o mundo material, essencialmente mau.

3. Em 335 a.C. Alexandre (o Grande) invadiu o Egito dos faraós e mandou erguer a biblioteca de Alexandria. Claudio Ptolomeu, um de seu generais, assumiu o trono do Egito em 305 a.C., quando Alexandre morreu, tornando-se Ptolomeu Sóter, o Salvador. Ele tornou Alexandria a nova capital do Egito e inaugurou uma dinastia de faraós gregos que duraria por 14 gerações. Ptolomeu III Evergeto era provavelmente um neto do 1º rei Ptolomeu, tendo sido famoso por sua profunda paixão literária e pela grande biblioteca em si, que ele via como a grande força cultural de seu reino. Conta-se que enquanto governou, esse rei oferecia pagamentos em ouro a quem trouxesse obras gregas a Alexandria para serem traduzidas e copiadas.

4. O rei assírio Senaqueribe parecia arrogante o suficiente para entrar em várias contendas divinas. Após seu tio Salmanasar ter conquistado Israel, em 701 a.C. ele invadiu Judá, tomando 46 cidades. O rei Ezequias enviou-lhe mensagem de submissão, acompanhada de ouro, mas ele não se satisfez frente aos costumes e religião próprios de Judá e exigiu a rendição de Jerusalém. Ezequias orou pela proteção de Jerusalém e foi avisado pelo profeta Isaías de que Deus livraria Jerusalém dos assírios. "Sucedeu, pois, que naquela mesma noite saiu o anjo do SENHOR, e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil deles; e, levantando-se pela manhã cedo, eis que todos eram cadáveres." (2Rs 19.35).

Durante o reinado do faraó Shebiktu, seu filho Taharga (que usava o título de Sethos, ou príncipe de Menphis), também enfrentou Senaqueribe na cidade egípcia de Eltekeh, entre o mediterrâneo e Jerusalém, no ano de 701 a.C.. O historiador Heródoto conta que Sethos era sacerdote de Vulcano e retirara privilégios dos seus guerreiros, os quais ficaram de braços cruzados durante a chegada de Senaqueribe. Por instrução de Vulcano, Sethos reuniu um exército improvisado de civis e marchou para Pelusa. Lá, Heródoto diz que uma multidão de ratos do campo roeu todas as armas dos assírios, tornando-os presa fácil. Sethos teria deixado no templo de Vulcano a inscrição “Quem quer que sejas, aprende, vendo-me, a respeitar os deuses”.


Alguns historiadores modernos acreditam que ambas as passagens sejam narrativas da mesma derrota de Senaqueribe, ou então de um evento onde o exército de Senaqueribe foi atacado simultanea- e independentemente pelos egípcios e judeus. Quando Senaqueribe regressou a Nínive, em 681 a.C., ele foi assassinado por dois de seus filhos.

5. A Igreja Ortodoxa da Etiópia afirma ter nascido de um oficial do rei batizado por Filipe, o Evangelista (não Filipe, o Apóstolo), conforme está escrito:


Atos 8.26 - E o anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Levanta-te, e vai para o lado do sul, ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza, que está deserta. E levantou-se, e foi; e eis que um homem etíope, eunuco, mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros, e tinha ido a Jerusalém para adoração. ... 35. Então Filipe, abrindo a sua boca, e começando nesta Escritura, lhe anunciou a Jesus. E, indo eles caminhando, chegaram ao pé de alguma água, e disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que eu seja batizado? E disse Filipe: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. E mandou parar o carro, e desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou.


A versão etíope deste versículo diz: "Hendeke" (a rainha Gersamot Hendeke VII foi rainha da Etiópia em 42-52 d.C., durante o reino Axum). No séc. 4, um sírio-grego chamado Frumêncio de Alexandria (chamado Abune Selama, na região) batizou o rei de Axum, fazendo esse o 1º reino cristão. Axum também é referido como o berço da rainha de Sabá, mencionada em 2Cr 9

A igreja etíope guarda a maior quantidade de livros cristãos, carregando em sua Bíblia nada menos que 46 livros do AT (contra 39 da Bíblia Protestante) e 35 livros do NT (contra 27 da Bíblia Protestante).

6. O Livro dos Jubileus faz algumas construções bastante extra-bíblicas e com fortes tendências à idolatria de anjos (Qabbala) que se espalhou no meio judaico após o exílio babilônico. Diversos estudiosos acreditam que, de fato, muitos anjos descritos pela Qabbala tenham sua fonte numa adaptação dos deuses babilônicos ao judaísmo.

Os detalhes trazidos pelo Livro dos Jubileus se parecem bastante com o feito do poeta inglês John Milton que, em 1667, publicou o livro "Paraíso Perdido", com o intuito de "justificar para os homens os caminhos de Deus". Em seu livro, ele narra a história pré-criação e também a convivência de Adão e Eva no Paraíso, terminando com a saída deles para a Terra. O livro teve enorme impacto na cultura européia, tornando-se na cultura popular uma espécie de "Apêndice da Bíblia". Entre as imagens introduzidas exclusivamente pela obra de Milton, estão a associação de Satanás com a serpente (que não aparece na Bíblia!) e sua prisão no Inferno (fato que também não aparece na Bíblia. De acordo com a descrição "poética e visionária" de Ap 12, Satanás e seus seguidores foram lançado sobre a Terra).

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