sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O bispo Noel

Encontre o Papai Noel !

Corre por aí uma lenda sobre o Natal que envolve um certo velhinho distribuidor de presentes... A lenda diz que esse senhor teria tomado o lugar de Jesus nas comemorações natalinas, tentando tornar Seu nascimento uma data comercial dedicada às ofertas de última hora nas lojas. Algumas más línguas chegam mesmo a associar o velhinho a símbolos pagãos do inverno, deuses vikings e um “diabo” nórdico das cavernas conhecido como Nickel. Seria verdade uma tal vilania dele?

Antes que você faça a excomunhão do Bom Velhinho e tente convencer as crianças de que ele não existe, é preciso averiguar os fatos. De posse da mais maciça cara-de-pau, fomos procurar pelo velhinho risonho que todos fomos ensinados a ligar com o Natal.

O NOEL DE CARNE E OSSO

Primeiro, é preciso admitir que Noel existe. Esse "existe" ficará mais complexo nas próximas linhas... Existindo, é preciso contar que o Noel nasceu algum dia. E nasceu em plena ascensão do cristianismo entre o populacho romano, porém antes que o Império assumisse uma religião oficial, de Estado.

Em 270 d.C., na época em que os anos eram escritos com apenas 3 dígitos e, sem um "d.C." atrás ninguém saberia que se trata de um ano, muito antes mesmo de saber que seria o Noel, ele deixou que seus pais Epiphaneos e Johanna (ou então Teophanes e Nonna) o batizassem Nikolaos Patareus (sobrenomes eram local de nascimento, no região). Sua família era rica, mas convertida ao cristianismo. Com 15 anos, os pais morreram vítimas de alguma epidemia e ele foi adotado por um tio de mesmo nome, então o bispo de Patara. Titio mandou o jovem Noel para estudar a teologia cristã na célebre escola de Alexandria, de forma que Nikolaos veio a ser o homem mais instruído da região de Lycia, na Grécia.

Quando voltou de Alexandria, Noel era um jovem pregador. Ele provavelmente se concentrou na ajuda aos pobres, onde o cristianismo esticava suas raízes. Essa postura lhe rendeu algum tempo de prisão, enquanto o imperador Diocleciano reinou. Eram tempos de uma Roma que venerava seus imperadores! Se não pertencesse a uma família rica, Noel provavelmente teria sido executado. Quando Flavius Valerius Constantinus foi coroado Constantino II, após vencer na Gália sob a insígnia cristã ele adotou o cristianismo como religião “do Império”, passando a favorecer os líderes cristãos em Roma Oriental.

Aos 30 anos, Nikolaos virou bispo da cidade de Myra, em Lycia. Uma de suas obras públicas foi comandar a destruição de um templo de Artemis nessa cidade, uma lembrança do passado pagão. Com 55 anos, ele supostamente esteve no Concílio de Nicéia, uma reunião promovida pelo imperador entre os líderes de várias “vertentes” cristãs, para estabelecer uma doutrina comum, que viria a ser a doutrina “legalmente estabelecida” de toda Roma. Seu nome não é mencionado entre os bispos participantes do Concílio (quem se importaria com isso?), mas até hoje tem gente falando sobre uma defesa da Trindade Divina apresentada contra o bispo Ário¹, no Concílio.

Com 73 anos, Nikolaos (ou Noel) morreu em sua cama no dia 6 de Dezembro. Calma que a estória não acabou!!!! Ele foi sepultado em Myra, na catedral que comandava. Os anos seguintes testemunharam sua transformação em milagreiro póstumo, com peregrinos viajando de toda Ásia Menor até sua tumba. Nikolaos havia morrido, mas o Noel estava apenas começando...

O NOEL SÓ DE OSSO

No ano de 1071 (repare que sem d.C.), nada menos que 7 séculos após a morte de Nikolaos, o soberano do Império Oriental/Bizantino travou batalha contra os turcos. Para azar dele, o império turco estava só começando a expandir-se e todos os futuros livros de história garantiriam isso. Romanus IV, o último imperador de uma longa linhagem, foi derrotado e morto pelo sultão Alp Arslan, na cidade de Manzikert. Quando as tropas turcas avançaram sobre a Grécia, os marinheiros em Myra roubaram os ossos de Nikolaos (já o maior santo local) e os levaram para o porto de Bari. Lá esses ossos estão hoje e o local continua sendo, um ponto de peregrinação da Igreja Ortodoxa.

Aparentemente, os ossos de Nikolaos passaram a produzir ininterruptamente um líquido cristalino que recebeu o nome de manna, que é recolhido pela paróquia local e vendido aos fiéis. Outros relatos bem menos legais falam do surgimento de uma nascente onde a tumba do bispo foi construída.

Em 1950, uma equipe de pesquisadores conseguiu autorização para examinar a tumba de Nikolaos. Mediram o Noel (infelizmente não obtiveram seu peso!), deduzindo que ele tinha 1.67 m de altura, com ombros de 40 cm e que se nutria principalmente de vegetais. O excelente estado de preservação do crânio, ao contrário dos demais ossos, permitiu que fosse reconstruída sua aparência. Curiosamente, os pesquisadores verificaram que o bispo (e também o futuro Noel) era bem parecido com as representações locais, pinturas e vitrais que haviam de São Nicolau, Pai Nikolaus, Santa Nikolaus ou Santa Klaus. Os crânio ainda revelou um detalhe: Nikolaos tinha uma deformação do nariz, resultado provavelmente de uma fratura. Quem quebraria o nariz do Bom Velhinho?

O NOEL PARA ALÉM DO HOMEM (NEM OSSO)

Esse é justamente o motivo de estarmos em 2011 falando sobre um bispo morto em 343 d.C. Repare que o d.C. voltou. O nome de Nikolaos foi “preservado” fora dos documentos oficiais e livros de história, muito vivo nas falas e nas estórias que circulavam pela Grécia. Desde sua morte e talvez até bem antes disso, estórias começaram a surgir sobre eventos na vida dele: são estórias e não HISTÓRIA porque não há documentos que as comprovem, mas há gente que acredite. Se o testemunho das pessoas valer como prova, Nikolaos não descansou até hoje! As várias declinações do nome, como por exemplo, Santa Klaus, Mikulas, São Nicolau de Bari, Sinterklaas, Noel, etc são uma demonstração de que a fama de Nikolaos como santo milagreiro correu a Europa muito mais rapidamente que os conhecimentos de sua vida humana.

As lendas sempre mostram o Noel associado ao inverno e épocas de privações, como ajudante dos necessitados, dos marinheiros (que afinal salvaram seus ossos da morte) ou das crianças. Seria um legado de auxílios prestados em vida? Quantos teriam tido uma ajudinha verdadeira do Noel, ainda magrinho?

Inúmeras estórias falam da intervenção do bispo Nikolaos, durante tempestades, para impedir o naufrágio de navios na região da Grécia, ou então aparecendo a piratas para impedir que matassem marinheiros capturados. Uma lenda marítima de sua vida conta, por exemplo, que o bispo de Myra, durante uma época de fome, encontrou um navio sendo carregado de grãos, que seriam levados à capital do império, Constantinopla. Ele teria mandado os marinheiros deixarem no porto boa parte da carga, que foi distribuída à população. Quando chegaram ao seu destino, os marinheiros descobriram que nada faltava da carga original. Milagre? Acredite se quiser...

Noutra estória, Nikolaos teria dado sacos de moedas de ouro a um pai pobre que não conseguira pagar o dote de suas três filhas. Em certas versões, o bispo teria jogado os sacos pela janela (ou até pela chaminé); ou teria jogado um saco a cada ano, até ser descoberto pelo pai, que esperou receber o 3º saco para surpreender o Bom Velhinho. Numa versão francesa dessa estória, um açougueiro (Père Fouettard) durante uma época de fome teria matado e esquartejado três meninos, guardando sua carne num barril para ser vendida como carne de porco. Encontrando o barril, o bispo Nikolaos teria nada menos que recomposto e ressuscitado as vítimas. Já pensou se ele fosse o santo protetor das vacas ou dos porcos? Ou dos perus?

O próprio imperador Constantino II teria visto o bispo Nikolaos em sonho, o que o impediu de mandar à morte três servidores que o decepcionaram. Na região de Myra, contam-se várias lendas sobre ressurreições de crianças atribuídas postumamente ao bispo Nikolaos. Bem longe dali, na Espanha, a oração de algumas senhoras teria feito o bispo aparecer pessoalmente durante o inverno de 1583, na noite de Natal, distribuindo pães a cada pobre de uma cidade não identificada.

COMO NOEL ACEITOU O OFÍCIO ATUAL

Chegamos a um ponto inegavelmente pagão do Bom Velhinho. Pagão significa folclórico e não-romano, uma vez que PAGANI eram os povos bárbaros que pagavam impostos a Roma. Apesar da característica não-cristã dos povos pagãos, muitos santos católicos (especialmente surgidos entre os séculos 4 e 10) carregam lendas pagãs, seja por seu nascimento em terras não-cristãs ou por absorverem personagens pagãos com nomes parecidos.

Como assim? Enquanto Roma Oriental crescia e combatia os turcos, o lado Ocidental se desintegrou por volta de 500 d.C. e a igreja cristã ficou dividida em muitas pequenas comunidades sob domínio de povos nórdicos que não eram cristãos. Esses pequenos monastérios estavam destinados a ser o início da re-urbanização da Europa Ocidental, mas então a estratégia de catecismo era fundir ícones cristãos com personagens locais. Se não era uma fusão proposital, pelo menos foi o que ocorreu na cabeça das pessoas: muitos santos ocidentais surgiram carregados de poderes sobre a natureza, sobre as pastagens, etc, que antes eram de controle dos deuses pagãos. Tudo agora sob nova direção.

De boca em boca, o bispo Nikolaos FOI JUNTADO ao Odin que visitava voando os telhados das casas. Esse é o mesmo Odin deus-da-guerra e pai do Thor deus-do-trovão-e-do-martelão, porém o bispo Nikolaos o encontrou “já de longas barbas brancas”, em uma época bem mais pacífica do que aquela das conquistas vikings, quando ele duelava com gigantes pelo controle do mundo. O Odin que a lenda de Nikolaos encontrou era um senhor barbudo, com roupas rústicas e cachimbo, viajando pelos céus durante os dias mais frios do inverno. Seu cavalo ou burro alado (Sleipnir) procurava nos telhados as sementes ou cenouras deixados pelas crianças dentro de sapatos, o que Odin retribuía deixando doces. De deus-da-guerra a vovô voador, quem diria!

Na Alemanha e nos Países Baixos, Odin era seguido ou precedido por um duende negro chamado Krampus (garra, em alemão), Schmutzli (sujo) ou Knecht Ruprecht (servo). Andando pelas ruas, esse duende malvado deixava pedaços de carvão ou mesmo açoitava as crianças más que encontrasse. Na Inglaterra, Espanha e Portugal o folclore viking não existia, assim as crianças más ficavam a salvo do Krampus e lenda do Noel seguiu sem o seu fiel companheiro.

No século 17, Odin e Nikolaos já eram a mesma figura semi-cristã, o Pai Natal, um gordinho visitando telhados a bordo de uma rena, bode ou cavalo alado e deixando doces ou comidas bem fartas. Ele começava a engordar... Essa visita ocorria em 6 de Dezembro, aniversário da morte do bispo Nikolaos. Na tentativa de cristianizar definitivamente a figura, sua data comemorativa foi progressivamente transferida para 25 de Dezembro e seu nome mudado para KristKindl (o menino Jesus, em alemão). Em 1823 ele recebeu a forma atual: nos EUA, Clement Clarke Moore publicou um poema infantil chamado “A visita de São Nicolau”, onde São Nicolau (agora já gordo e despojado totalmente de sua imagem de pároco) entrava nas casas na véspera de Natal, carregando uma bolsa cheia de presentes para as crianças que haviam sido boas. Nessa noite, ele viajava desde o Pólo Norte (origem do frio do inverno, não?) até as casa em um trenó puxado por renas voadoras. O sucesso do poema foi tremendo: nos anos seguintes, passou a ser recitado em todos os natais, em todo o país e chegou mesmo à Europa. Papai Noel nascera, mas ainda usava roupas rústicas.

Na década de 1930, a Coca Cola iniciou uma campanha de marketing baseada nos desenhos de Haddon Sundblom. De tão saborosa, a Coca Cola transformou Papai Noel em um velho barbudo, risonho e gorducho que era desenhado nos cartazes usando roupas vermelhas almofadadas, um gorro e propagandeando o refrigerante. O sucesso entre as crianças foi grande: hoje, ninguém desenharia Papai Noel com roupas de bispo ou de camponês, magro ou a bordo de um bode alado. Apenas na Holanda, Rússia e Grécia ainda se comemoram os milagres do bispo Nikolaos na época do Natal...

FIGURA CRISTÃ

Não há a menor dúvida que a ORIGEM do personagem é cristã. O desenvolvimento dele também conta a história do cristianismo: homens generosos, prisioneiros, capazes de convencer até em sonho mesmo a imperadores e piratas, cujos restos mortais podem curar e cuja invocação pode curar, ressuscitar ou salvar barcos do naufrágio. São seres meio pessoa e meio antigos deuses locais. Ok, só a primeira parte disso é bíblica. Mas o cristianismo como religião não é bíblico. Desde a Reforma Protestante é que o texto bíblico se tornou mais importante que outros tantos... E mesmo assim, a obra de Deus tem sido feita.

Quando definiu uma religião formal, Constantino II tentou encaixar o cristianismo dentro da legalidade escrita de Roma. Os textos em papel então ganharam importância, assim como a interpretação deles. O bispo Nikolaos assistiu esse processo de “encaixotamento” e “formatação” das crenças das pessoas, sem imaginar que num futuro distante ele mesmo concorreria com o culto de Jesus nessa data festiva que era, antes do Natal, uma festa sazonal do ponto culminante do inverno, o começo do fim-de-ano dos povos antigos.

Desde o Odin que deixava doces até o Papai Noel de Moore que espalha presentes, ele se tornou uma espécie de ídolo infantil, alimentando-se da imagem do nascimento de Jesus, quando Deus mesmo era criança e recebia presentes. Por isso, as famílias cristãs hoje se perguntam: é certo deixar que as crianças cultuem ao Papai Noel? Muitos batem o pé dizendo que se trata de uma mentira, um ídolo pagão e por isso passam a negar sua existência para os pequeninos. Talvez façam o mesmo com o Super-homem, o He-man, o Máscara, o Batman e qualquer outro ídolo IMAGINÁRIO que possa existir. Mas isso lhes ensina os valores cristãos? Como explicar às crianças que a árvore de natal e o Noel entrando pela chaminé durante a noite são símbolos do nascimento de Jesus numa estrebaria, com a visita de reis-pastores que nem o próprio Jesus, quanto menos Mateus, Marcos, Lucas, João, Paulo, Pedro ou Tiago se lembraram de comemorar?

Jesus comemorou poucas datas, apenas as festas mais importantes dos judeus, um casamento aqui ou ali. Ele ficou mais conhecido justamente por ir contra as tradições, por impor um novo significado às coisas, mais alinhado com a vontade de Deus do que com as expectativas dos homens. Jesus não tinha presentes para dar aos pequenos, mas prometeu-lhes o Reino dos Céus! Ele não era caridoso num dia especial, nem deixava de sê-lo por esse motivo ou aquele. Jesus não gostava de ser esperado, conhecido, mas fazia questão de que soubessem QUEM Ele era, a fim de que se cumprisse o 1º Mandamento.

Se Papai Noel for capaz de cumprir isso, seja benvindo!
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¹ Ário era arcebispo de Alexandria. Ário contestava a Trindade; ele defendia que Jesus e o Espírito Santo eram entidades subordinadas ao Deus Pai. A defesa de Ário se baseava na fala de Jesus "Vou para o Pai; porque meu Pai é maior do que eu" (Jo 14:28). Após o Concílio, o arianismo foi considerado uma seita.

NÓS LEMOS E CONTINUAMOS VIVOS

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